Colunista - Rinalme Emiliano

As Cruzes Mortuárias e o Balanço da Rede - O Demônio e seu Rabo Maléfico

As Cruzes Mortuárias e o Balanço da Rede - O Demônio e seu Rabo Maléfico
  • Rinalme Emiliano

O Cariri cearense é uma região profundamente marcada pela riqueza de suas tradições culturais e pela simbiose com os mitos. Em anos pretéritos, cursei História na Universidade Regional do Cariri – URCA e, na disciplina de História e Imagem, realizei um trabalho cujo tema era Cruzes Mortuárias.

A ideia do professor era fotografar as cruzes que se veem nas estradas. Hoje, poucas ainda são encontradas, em virtude do crescimento demográfico, que praticamente extinguiu essa devoção religiosa. Além das reproduções fotográficas, era necessário pesquisar sobre o histórico das cruzes mortuárias; assim, entrevistas eram feitas e gravadas com moradores e transeuntes próximos a marcas fúnebres.

É interessante evidenciar que, no Cariri cearense, os mitos recebem influências indígenas, africanas e europeias, formando um verdadeiro amálgama — um celeiro mítico, onde o sobrenatural convive com o cotidiano, e os personagens lendários ainda são parte ativa da vida do povo. O ser humano vivencia mitos naturalmente.

Nessas andanças, encontravam-se carvoarias à beira da estrada no sentido Juazeiro–Crato, e havia várias cruzes próximas a elas.

Depois de feitas as fotos, foi realizada uma entrevista com o senhor carvoeiro que ali exercia seu ofício. Um mito revestido de aura profana. Assim se deu o colóquio com o ilustre entrevistado que, em suas palavras, o seu imaginário trouxe à tona o discurso mítico: o demônio, quando queria descansar, armava uma rede entre as árvores maiores, estendendo-a por sobre a via vicinal. Deitava-se nela e se punha a balançar. O movimento da rede fazia com que o rabo do demônio se agitasse, provocando capotamentos e colisões — um rastro do mal agindo no silêncio, seja de dia, seja de noite.

O carvoeiro ainda relatava a necessidade de os motoristas realizarem orações com o fito de se protegerem, evitando, assim, que o rabo do demônio provocasse mortes em acidentes automobilísticos.

Ao que parece, o crescimento urbano não permitiu mais que o demônio armasse sua maléfica rede, pois as árvores já não existem.

Esses mitos fazem parte da construção simbólica de uma cosmovisão que entretém e/ou assusta. Os mitos educam, orientam e preservam valores. É por meio deles que o nordestino encontra sua identidade simbólica para explicar o desconhecido, para lidar com o medo e para fortalecer o senso de pertencimento.

No Cariri, o mito é parte da cultura viva: está nas festas populares, nos reisados, nos tambores dos terreiros, nas imagens entalhadas por artesãos, nas palavras, nas orações, nas músicas etc.

Assim, o mito no Cariri cearense é mais do que apenas uma lenda: é memória, é resistência, é identidade. Cada conto, cada história, cada personagem fantástico carrega a imagética de um povo que resiste com força, fé e imaginação.

Rinalme Emiliano

Rinalme Emiliano

Colunista de Cultura & Música